sábado, 24 de janeiro de 2015

Uma noite

Isto pode ter acontecido ontem, anteontem, há 10, 15 ou mil anos, quem sabe jamais aconteceu, quem sabe não foi um sonho fujão de alguém, que escapou dentre suspiros na noite e por janelas mal fechadas e veio deitar-se a meu lado, buscando razões que eu não tenho.

Cidade do Panamá. A chuva fina criava lagoas que brilhavam nas luzes fracas da cidade antiga. Pareciam diamantes falsos, tão falsos que quis acreditar naquele brilho improvável.

No fim de uma rua qualquer, uma lâmpada pendia de um alpendre, fraca como um enforcado que se recusa a morrer, criava com sua luminosidade um vácuo na chuva que parecia eterna, como um farol dos errantes, para quem a procura é maior que o achado.

Segui o sonho, afastando a mata de esperança que o tornava quase impenetrável, segui a trilha de minha angústia, e cheguei lá, antes que a luz morresse, antes que eu desistisse e fosse condenado a correr atrás de luzes que não mais existiam, eu precisava acreditar, não importava em que!

Na antiga caixa registradora do velho bar, alguém, talvez fosse o dono, olhava para a gaveta aberta, podia estar pensando se poderia pagar a cerveja do dia seguinte, ou se olhava através dela, buscando o espelho perdido de seus sonhos de menino, olhava através da realidade, buscando na neblina da desesperança, o que perdeu, porque talvez jamais o tivesse?

Passava da meia noite, eu acho, por que noites de chuva fina são sempre mentirosas. Só uma mesa ocupada, e por um casal, que falava sem se olhar, e quando olhava, nada diziam, era uma espécie de acordo?  Ou falavam com a boca sobre o trivial e com o coração, quando se olhavam? Nunca vou saber, pois o sonho fujão também pode ter me mentido.

O branco encardido das poucas mesas mostravam as testemunhas de outros sonhos, gotas de vermelho antigo, me fizeram lembrar Unamuno e seu pelicano, eram como corações vermelhos abertos em peitos brancos, como rosas teimosas chorando inútil seu infortúnio. Toalhas que um dia foram brancas, como luzes teimosas e ilógicas, um paradoxo dolorido!

Mas, como disse, isto deve ter sido coisa deste sonho perdido na leniência da noite, na tolerância das madrugadas, nasce e morre no anverso do dia, desafia e teimoso, sempre perde para o sol.


Sonhos burros que tendem a beber de poços secos, e comer de pedaços mínimos de alma, que largamos pelo chão a cada dia e cada passo, mendigos de nossa esperança ou desesperança, vivem pelos cantos e frestas, se escondem em quartos antigos que nunca foram abertos, esperam chaves que foram perdidas há muito tempo, então só espiam e nos pedem o que não podemos dar, porque não temos mais, ou quem sabe, nunca tivemos.