sexta-feira, 11 de maio de 2012

Um texto sem pausas e de poucas vírgulas


Chuva fina e constante encharcando a terra, ar frio chegando, é o inverno espiando pelas costas do outono. As árvores se despem de sua roupagem de primavera, na dança sensual da queda das folhas embalada pelo canto do vento frio. Os casacos esquecidos entopem as gavetas, os corpos se recolhem na roupa pesada e a alma hiberna. A festa pública do verão e primavera é substituída pela reunião íntima o final de outono e do inverno. Os poetas suspiram pela melancolia da estação, eu que não sou um deles, considero a melancolia como um soluço da alma.

Penso que existam duas estações, uma externa, a do calor e da luz, e uma interna, a da reflexão e do recolhimento, cada uma com seus encantos e desencantos cada uma deixando sua marca em nós.

As estações na literatura foram largamente usadas como metáforas para a vida, e não sem propriedade. Nós, seres humanos precisamos de cronologia, sem etapas claras, sem eras e períodos, como poderíamos entender a nossa história? Seria como ler um trecho sem pontos, vírgulas e parágrafos. Quantos mal-entendidos existiriam por falta de pausas e vírgulas. Quantas coisas seriam impossíveis de se entender pela falta de parágrafos, momentos diferentes se misturando, se confundindo mutuamente, se atropelando no curso inexorável do texto.

Na infância do homem, a vida era medida pelas estações, o tempo dos frutos, o tempo do sol, o tempo do frio, o tempo da procriação. Com o inicio da dita civilização, passou-se a cultivar o perigoso engano de que poderíamos entender o nosso tempo, no máximo podemos tentar medi-lo em uma régua canhestra, classificá-lo e codificá-lo segundo nossa ansiedade. No entanto, como um texto sem pausas, ele segue atropelando a nossa pretensão. .

E o inverno ali, espiando, como sempre fez, faz e sempre fará, porque a vida, ainda é, apesar de tudo, apesar do que tentei dizer, um texto sem pausas, de poucas vírgulas...


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